Capítulo 33
844palavras
Lúcia ficou tão arretada na época, que até largou o emprego. Aquilo não me preocupou, já que ela também trabalhava como costureira e o serviço nunca lhe faltava. Foi até melhor assim, ela dentro de casa me passava uma segurança maior de que ficaria de olho nos meninos e ajudaria Charlote com todo aquele problema que ela foi arrumar.
Depois da tempestade vem a calmaria. Essa frase foi invertida e o caos voltou com tudo.
Foi naquele dia que senti que Jacob estava diferente, era como se ele tivesse voltado a ser o que sempre foi. Estava calado, com a cara fechada, parecia azuretado. Chegamos em casa, e ele se trancafiou dentro do quarto e não saiu de lá até no outro dia.
Acordei preocupado. Fui direto no quarto dele quando me dei conta que ainda não havia acordado para ir à escola. Bati na porta, chamei pelo seu nome. Silêncio total. Abri a porta e fiquei feito um pantel quando me dei conta que ele não estava mais ali.
— Que diacho – Lúcia já coava um café – onde está Jacob?
— Oxente! – falou enquanto colocava o café na garrafa e se virava até mim – e eu vou saber, hômi.
—Como não sabe? – a culpa não era dela – aquele treloso não está no quarto e o sol nem nasceu direito.
Lúcia olhou para mim azuretada, mas eu sabia que o sentimento dela era o mesmo que o meu. Foi como se o céu se fechasse sobre as nossas cabeças. Eu até procurei ele, pelo quintal, até o fim da nossa rua. Perguntei ao Bentinho se tinha visto, mas ninguém sabia nem do rastro daquele menino.
Não tive muito tempo para pensar, me ajeitei para o trabalho e fui para agência, com a esperança que ele apareceria logo mais tarde, ali, para cumprir o que havíamos combinado. Mas deu a hora da sua chegada e Jacob não apareceu.
Minha cabeça doía, não conseguia me concentrar em quase nada. Quase, por um descuido meu, eu levei os turistas para a praia errada. Joaquim acabou me dispensando mais cedo e eu fui na tora para a casa. Precisava encontrar Jacob e entender o que estava acontecendo.
Quando cheguei ele estava lá, sentado, tomando um café como se nada tivesse acontecido. Lúcia olhou pra mim, como se avisasse: Vai com calma.
— Porque não apareceu para trabalhar hoje? – sentei ao seu lado. Eu estava com raiva, mas minha voz saiu calma.
Ele demorou bem mais do que o esperado para me responder. Tomou o último gole de café, respirou fundo e sem olhar nos meus olhos me disse:
— Eu não vou mais trabalhar com você, painho.
Eu quase perdi as estribeiras.
— Avalie só – eu estava arretado – tu achas que essa decisão de não ir mais trabalhar, quem decide é você?
— Oxente! – enfim, ele olhou para mim – quer fazer de mim o seu escravo, painho?
— Tu me respeitas seu cabra safado – eu já me preparava para arrancar o cinto – desde quando escravo recebe salário no final do mês?
— O senhor acha que tudo se resolve na base da surra – ela me observava tirar o cinto – eu estou cansado disso, visse. Quero tomar o meu próprio rumo, e o senhor não vai mudar minha decisão.
Eu sei que os meus olhos se encheram de lágrimas. Mas eu engoli toda a minha raiva e pensei bem na atitude que eu iria tomar.
— Tudo bem, Jacob – coloquei o cinto de volta nas calças – não quer mais trabalhar comigo, também não terá mais mesada, nem roupa limpa, nem comida para comer. Quer tomar seu próprio rumo? A partir de hoje vai ter que aprender a se virar sozinho.
Lúcia olhou para mim aperreada. Eu sabia que ela não concordaria, mas eu não mudaria de ideia nem se ela implorasse.
Jacob olhou para mim cheio de ódio, e aquilo partiu meu coração. Era como se todo o esforço que eu tinha feito até ali, fosse embora ralo abaixo. Então ele virou as costas e saiu. A porta da entrada batendo foi tudo que eu e Lúcia ouvimos dele.
— Tu tá com a moléstia, hein Chico – ela gritou comigo. O instinto de mãe falou mais alto – Como tu queres que eu concorde com um negócio desses?
— Não precisa concordar – a olhei pela última vez – respeitando minha decisão já está de bom tamanho.
Eu parecia um radical e Lúcia jamais me entenderia, mas eu estava fazendo até o que não podia para salvar aquele menino, e o meu coração me dizia, as coisas só vão piorar.